O impacto da doença também está relacionada à eficiência do sistema imune de cada indivíduo
Por Cícero Galli Coimbra*
(Imagem ilustrativa — Foto: Jeff Hendricks/Unsplash)
Durante a atual pandemia da covid-19, entre os indivíduos infectados pelo coronavírus (Sars-CoV-2), observamos desde a ausência de sintomas perceptíveis em alguns até, em outros, a evolução para a insuficiência respiratória aguda, seguida de falência múltipla de múltiplos órgãos e morte em poucos dias. Essa variabilidade extrema resulta da eficiência do sistema imune de cada indivíduo — o que leva à necessidade de identificar-se o fator biológico determinante dessa eficiência na reação contra infecções. Tal identificação corresponderia ao reconhecimento da causa da severidade da infecção e traria consigo a vantagem da possibilidade de prevenir da doença, pois prevenir é eliminar a causa.
Agindo sobre a causa da gravidade da infecção poderíamos promover a eliminação pronta e imediata do vírus nos indivíduos recém-infectados ou que viessem a ser infectados, reduzindo-se ou mesmo eliminando-se a sua transmissão, e evitando que pessoas desenvolvessem manifestações leves ou severas da doença, com a possibilidade de quase eliminar a mortalidade da infecção.
Em março de 2020, pesquisadores da Universidade de Turim observaram a associação entre níveis séricos baixos de vitamina D e gravidade da covid-19, recomendando a correção dos níveis no combate à pandemia. Já em janeiro de 2020, havíamos feito essa recomendação, pois há mais de 250.000 publicações científicas que podem ser acessadas através do Google Acadêmico (utilizando-se as palavras-chave “vitamin D” e “immune system”) sobre a importância da “vitamina” D (que desde a década de 1930 sabe-se que é de fato um hormônio esteroide dotado de múltiplas funções) para um funcionamento potente e regulado do sistema imune. Utilizando-se as palavras-chave “vitamin D” e “virus” obtém-se um número de publicações superior a 150.000, documentando o estado “antiviral” em que se mantém o sistema imune sob níveis normais de "vitamina" D.
Desde a década de 1980, em decorrência da vida em ambientes confinados, o percentual da população com níveis baixos de “vitamina” D vem aumentando (tornando-se a condição clínica mais comum no planeta, com níveis pandêmicos nas últimas 2 décadas). Perdeu-se a única fonte natural de “vitamina” D: a exposição direta da pele ao sol forte. O tempo de exposição para atingir-se a quantidade desejada de “vitamina” D (desde 10.000 UI até o máximo possível de 20.000 UI) depende de vários fatores, sendo mais breve em pessoas jovens, de pele clara, com peso normal, mantidas na posição horizontal, com grande extensão de pele descoberta sem a interferência de vidro ou filtro solar. Nessas condições, bastam 10 minutos de exposição para obter-se pelo menos 10.000 UI. Pele pigmentada, envelhecida ou excesso de peso aumentam significativamente esse tempo. Assim mesmo, somente depois de dois meses de exposição diária, seriam atingidos os níveis normais (40–100 ng/mL, conforme a Endocrine Society, EUA; infelizmente, no Brasil, adotam-se níveis de referência bem inferiores, prejudicando a avaliação médica). Também as baixas doses diárias “recomendadas” (600 UI por dia) para adultos não levam aos níveis normais mencionados.
Importante lembrar que é impossível obter-se quantidades adequadas de “vitamina” D através da alimentação devido às quantidades presentes nos alimentos ditos “ricos” em “vitamina” D. Para obter-se 10.000 UI por dia há que consumir 250 gemas de ovo, 13 postas de salmão ou 80 copos de leite.
Pouco tempo após o comunicado de Turim, diversas publicações complementaram as observações iniciais. Demonstrou-se que, mesmo excluídas as influências da idade, do sexo e das comorbidades, o nível sérico baixo de “vitamina” D ainda permanece fortemente associado à mortalidade por covid-19.
Ao encontrar a associação entre dois fenômenos, indaga-se qual deles é a causa e qual é o efeito. Foi o que ocorreu por volta de 1950 quando o estatístico britânico Austin Bradford-Hill trouxe a público a associação entre o tabagismo e o câncer de pulmão e teve de defender-se da crítica feroz da indústria do tabaco. Criou os seus “critérios de causalidade” (ainda altamente prestigiados) que lhe valeram, anos depois, o título de “Sir”. Dentre eles, destacaríamos um critério: deve haver um mecanismo através do qual um fenômeno causa o outro. Como exemplos entre diversos possíveis, quantidades adequadas de “vitamina” D promovem a produção de catelicidinas — substâncias que destroem a cobertura protetora da genética do vírus. Ela também bloqueia a multiplicação do vírus no interior da célula infectada e evita o processo inflamatório descontrolado (“tempestade de citocinas”) responsável pela insuficiência respiratória e pela falência múltipla de órgãos.
A correção de qualquer parâmetro biológico é obrigação que qualquer médico ou gestor de saúde, e esta é uma situação de urgência extrema; as pessoas confinadas (mesmo crianças) estão sem expor-se ao sol — arriscadas a uma maior mortalidade quando forem infectadas. Não é possível esperar dois meses. Há que se adotar o mesmo procedimento que há décadas já era utilizado em crianças com raquitismo: a administração de uma dose única de 600.000 UI via oral — para adultos. Assim, eleva-se de imediato o nível de vitamina D para cerca de 77 ng/mL. Conforme publicações científicas, quase toda essa dose é absorvida pela gordura localizada sob a pele, que passa a liberar lentamente vitamina D para a circulação, de forma que, após 30 dias, o nível de vitamina D encontra-se em cerca de 62 ng/mL. Então inicia-se a administração de 10.000 UI a 20.000 UI por dia (conforme o peso corporal mais próximo de 50 kg ou de 100 kg respectivamente) para manutenção.
Crianças devem receber doses proporcionais ao seu peso. A normalização de um parâmetro biológico não pode provocar, mas apenas evitar dano ao organismo.
*Professor livre-docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo e diretor do Laboratório de Neuropatologia e Neuroproteção
As opiniões expressas neste artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)